Apresentação

Por que Québec


Vivi em Québec um ano. Um tempo nem muito longo, nem muito curto. O suficiente para me surpreender. A província, como um todo, é sedutora. Mas não foram suas belezas ou bom humor e gentileza dos canadenses que me seduziram. Fui atraída pelo avesso. Québec, Montreal, Gatineau, Trois-Rivières e a vasta região litorânea da Côte-Nord revelaram-me experiências urbanas avessas às de meu cotidiano paulistano. Foi como ver São Paulo por um espelho invertido. Isso me fascinou.

Fascinava-me a neve cobrindo a paisagem por intermináveis meses, o silêncio das ruas no inverno, as casas sem muro, a inabalável tranquilidade do cotidiano, o prazer das caminhadas no início da primavera, a maciça ocupação dos espaços públicos quando as temperaturas se elevam, as bicicletas cortando a visão e os caminhos...

Buscando compreender meu espanto e encanto, descobri nos filmes canadenses a chave para algumas das minhas perguntas. Grande parte deles, ausente do mercado cinematográfico exibidor, se passa em Québec, um dos pólos culturalmente mais vibrantes do Canadá e, no entanto, menos conhecido fora do eixo norte-americano.

Québec, a maior província do país, a segunda mais habitada do Canadá, e a primeira a ser colonizada pelos franceses, conseguiu, nos anos 1960 ter o Francês reconhecido como primeira língua oficial. Esse foi um momento de grande ebulição cultural, quando se instaurou a Revolução Tranquila, inflexão histórica que reverberou em todas as esferas da sociedade, criando condições para a consolidação, na vida social e artística, de uma identidade nacional.

No Brasil quando pensamos no cinema canadense, o associamos comumente ao cinema de animação, aos trabalhos pioneiros do escocês Norman McLaren e a toda uma geração que se seguiu e que se perpetua. Todavia, renomados diretores, sem que saibamos sua origem canadense, chegam até nós, como é, por exemplo, o caso dos filmes de David Cronenberg.

Especialmente nos últimos 10 anos começaram a se diversificar as ofertas de filmes canadenses para o público brasileiro. Vide os dois filmes de Denys Arcand, O Declínio do Império Americano e As Invasões Bárbaras; nos quais o diretor passeia harmoniosamente entre a crítica social e a reflexão individual. Ou ainda a excelente radiografia dos anos 1960 e 1970 de Crazy , de Jean Marc Vallée, um sucesso de bilheteria para os padrões do relativamente pequeno mercado de Quebec, e muito bem recebido no Brasil.

Sem dúvida é graças a mostras e festivais e não ao circuito comercial cinematográfico, que temos tido a oportunidade de, nos últimos anos, nos aproximarmos da diversidade da filmografia canadense. Nesse processo, merece destaque o papel desempenhado pela Mostra Internacional de Cinema, na qual trabalhos como Politécnica, de Denis Villeneuve; Papai foi caçar Ptármiga, de Robert Morin; Eu matei minha mãe, de Xavier Dolan; A oeste de Plutão, de Henry Bernadet e Myriam Verreault, As Damas de azul de Claude Demers são apenas alguns dos recentes títulos exibidos.

Nessa primeira edição da Mostra, colocamos o público brasileiro em contato com um conjunto de filmes não só oriundos do grande circuito das salas de cinema de Quebec, mas igualmente de um cinema independente, buscando delinear os contornos do ser, do ver e do pensar québécois.

Paula Morgado




Pourquoi Québec

J'ai vécu au Québec un an. Une période ni trop longue ni trop courte. Le temps suffisant pour me surprendre. La Province comme un tout est séductrice. Mais ce ne furent pas ses beautés, la bonne humeur et la gentillesse des canadiens qui me séduirent. Je fus attirée par un autre côté. Québec, Montréal, Gatineau,Trois rivières et la vaste région littorale de la Côte-Nord me révélèrent des expériences urbaines opposées à mon quotidien de São Paulo.Ce fut comme voir ma ville de l' autre côté du miroir. Cela m'a fascinée.

j'ai été fascinée par la neige couvrant le paysage pour d' interminables mois, le silence des rues en hiver, les maisons sans murs de protection,l' inébranlable tranquillité du quotidien, le plaisir des promenades au début du printemps, la massive occupation des espaces publiques quand les températures s' élèvent, les bicyclettes coupant la vision et les chemins....

Cherchant à comprendre mon étonnement et enchantement, j' ai découvert au travers des films canadiens la réponse à quelques unes de mes questions. Une grande partie de ces films , absents du marché cinématographique existant, se passe au Québec, un des pôles culturel le plus vibrant du Canada et même ainsi le moins connu hors du circuit du marché Amérique du Nord.

Québec , la plus grande province du pays, la seconde plus peuplée du Canada et la première à être colonisée par les Français, a réussi , dans les années 1960 à avoir le Français reconnue comme langue officielle. Ce fut un moment de grande ébullition culturelle , quand s'instaura la ''Revolution Tranquille'', inflexion historique qui se réverbéra dans toutes les sphères de la société, créant les conditions nécessaires pour la consolidation d' une identité nationale, tant dans la vie sociale que dans la vie artistique.

Au Brésil quand nous pensons au cinéma canadien, nous l'associons communément au cinéma d' animation, aux travaux pionniers de l' écossais Norman McLaren et à toute une génération qui s' ensuivit et qui se perpétue. Néanmoins de célèbres directeurs, sans que nous sachions leur origine canadienne, nous arrivent, comme c' est le cas par exemple des films de David Cronenberg.

Ces dix dernières années particulièrement commencent à se diversifier les offres de films canadiens pour le public brésilien. Tenant en exemple les deux films de Denys Arcand , Le Déclin de l'Empire Américain et Les Invasions Barbares; dans lesquels le directeur oscille de forme harmonieuse entre la critique sociale et la réflexion individuelle. Ou encore l' excellente radiographie des années 1960 et 1970 dans C.R.A.Z.Y, de Jean Marc Vallée, um succès de billetterie pour les normes du “relatif '' petit marché du Québec et très bien accueilli au Brésil.

Sans aucun doute, grâce aux Festivals et aux différentes Rétrospectives et non pas grâce au circuit commercial cinématographique, nous avons eu l'opportunité dans les dernières années de pouvoir nous rapprocher de la diversité de la filmographie canadienne. Dans tout ce processus , mérite d'être noté le rôle performant du Festival Internationale de Cinéma de São Paulo, dans lequel les oeuvres comme Politechnique de Denis Villeneuve, Papa est allé chasser Ptármiga,de Robert Morin, J' ai tué ma mère , de Xavier Dolan, À l'ouest de Pluton, de Henry Bernardet et Myriam Verreault, Les dames en bleu de Claude Demers sont à peine quelques titres récemment exhibés.

Dans cette première édition de la Rétrospective, nous mettons le public brésilien en contact avec un ensemble de films non seulement films originaires du grand circuit des salles de cinéma du Québec , mais également un cinéma indépendant cherchant les délinéaments des contours de l'être , du regard et de la pensée québécoise.

Paula Morgado




Breve introdução ao cinema de Québec


Impossível falar do cinema de Québec sem abordar a questão, sempre atual, da identidade quebequense. Tal como o Brasil na América Latina, o Québec, majoritariamente francófono, se distingue linguísticamente na América do Norte. Se essa diferença, por vezes, atua como um escudo ao tsunami americano, ao mesmo tempo, contribui como um fator de isolamento.

O cinema de Québec levou muito tempo para vir ao mundo. Questionado pela toda poderosa igreja católica no início do século XX, a sétima arte caiu rapidamente sob seu controle. Enquanto os cineastas de batina ocupavam todo o espaço do filme documental, os filmes estrangeiros eram alterados pela censura exagerada. Nos anos 40 e 50, as primeiras ficções, geralmente melodramas, estavam associadas a uma sociedade tradicional. Nos filmes mesclavam-se, quase sempre, uma criança maltratada, um avarento tirânico, um padre de vilarejo e um soldado órfão.

Foi preciso esperar o fim dos anos 50 e o surgimento do cinema direto, uma revolução documental que permitiu ecoar as vozes dos quebequenses – mais comumente chamados de canadenses franceses – para que o cinema se modernizasse. Esse novo ponto de partida correspondeu ao mesmo momento que levou ao Cinema Novo brasileiro. A consagração veio em 1963 com a seleção em Cannes de Pour la suite du monde de Michel Brault e Pierre Perrault, um ano antes do festival exibir Deus e o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha. Em Québec como no Brasil, a hora era de mudança. A Revolução Tranquila quebequense, que correspondeu ao recrudescimento do nacionalismo, abriu uma grande porta para o cinema. Tudo estava por ser feito.

Nesse contexto a ficção se afirmou progressivamente. As primeiras obras pessoais emergiram no início dos anos 60, seguidas no fim da década por uma onda de filmes eróticos que atraíam multidões e tinham eco na irreversível revolução sexual. Nos anos 70 o cinema, como o teatro, replicou a língua popular, distanciando-se do francês falado na França. Curiosamente, tal afirmação identitária, por vezes excessiva, produziu muitos poucos filmes de caráter político. Todavia, autores deixaram suas marcas, como Claude Jutra, Gilles Carle, Denys Arcand, vozes majoritariamente masculinas as quais se somaram, lentamente, as de diretoras apoiadas pelo movimento feminista.

A cinematografia quebequense parecia, então, polarizada, dividida entre os que produziam dramas populares, representados por vedetes da música e da televisão, e cineastas que assinavam obras pessoais. Progressivamente, adotaram-se os códigos de uma indústria cinematográfica, modelo no qual o papel de cada um é claramente definido. Embora a ficção estivesse cada vez mais em voga, o documentário social ocupava ainda um lugar de destaque, tingindo a ficção de realismo, resultado do vai e vem de vários dos diretores entre esses dois gêneros. O cinema de animação, por sua vez, produziu obras reconhecidas em todo o mundo, começando, inevitavelmente, pelas obras de Norman McLaren e Frédéric Back.

Após um cansaço, uma período de mutação, a ficção recebeu um novo élan em meados dos anos 80, notadamente motivada pelo sucesso do Declínio de império americano de Deny Arcand e a glória da coleção dos Contes pour tous, filmes que reuniam crianças de numerosos países. No entanto até o fim do século passado foi a comédia que triunfou. Ironizava-se a migração à Florida, no inverno dos quebequenses, a sedução que exercia o modelo americano, o poder hipnótico da televisão, as incompetências do homo quebecus ou a afirmação da comunidade homossexual. Não mais exportável que as demais comédias produzidas pelo mundo, tais filmes salientavam anti-heróis que resistiam às pressões externas e aos que detinham o poder. Raramente os heróis encontravam seu lugar nos filmes quebequenses.

Os anos 2000 foram um marco para o cinema quebequense. Mais do que nunca, o público estava presente. Em 2005 o cinema nacional atingiu o auge de sua popularidade com um mercado de 18,9%, uma taxa sete vezes superior a registrada dez anos antes. A título de comparação a cinematografia canadense inglesa fora do país contenta-se habitualmente com um mercado de 1%. Exceção deve ser dita sobre Québec. Esse fenômeno, observado ao longo da década, se deve a diversos fatores: a diversidade dos gêneros, o poder de sedução dos atores apreciados pelo público, um estímulo maior a produção de filmes no conjunto do Canadá e o surgimento de uma geração de cineastas que aspiravam balançar as convenções. Enquanto alguns revisitavam os clássicos dos anos 40, outros colocavam vampiros pelas ruas de Montréal ou transpunham para o cinema o universo de séries de televisão.

Vários filmes lotaram as salas de Québec e circularam no exterior, algo que por muito tempo acreditávamos ser impossível. Graças a obras como a La grande séduction, C.R.A.Z.Y., Les invasions barbares, Bon cop, bad cop et J’ai tué ma mère, os quebequenses se sentem, cada vez mais, orgulhosos de seu cinema. Embora poucos sejam verdadeiramente rentáveis, produtores e distribuidores, seguindo o modelo americano, buscam fórmulas lucrativas. A partir do momento que um filme alcança sucesso prepara-se uma continuação e, se um drama policial fracassa em audiência, isso não se deve mais unicamente ao gênero.

Em 2010 o cinema quebequense continua preso a dois pólos. De um lado, o cinema comercial, de outro, os filmes de autor. O eterno debate se funda, a partir de então, sobre a partilha do financiamento público. Alguns cineastas se manifestam contra as vantagens consentidas aos produtores e condenam a busca de uma rentabilidade ilusória. Mas é pouco provável que cheguemos a eliminar tal debate no seio de uma profissão que desfruta, de modo reincidente, do imenso sucesso do drama policial De père en flic e orgulha-se em produzir filmes carregados de sentido como Polytechnique, Tout est parfait, Ce qu’il faut pour vivre, La neuvaine ou Dédé à travers les brumes.

Acoplado aos debates em questão e sempre à mercê das flutuações do financiamento governamental, o cinema de Québec continuará a caminhar em equilíbrio entre suas ambições artísticas e suas pretensões comerciais, ora pendendo para a esquerda, ora para a direita, mas não tendo outra escolha além de endireitar-se na medida em que faz um passo em falso. Na era da globalização e dos movimentos migratórios, emerge a imagem de uma sociedade moderna, amedrontada e, cada vez mais, atingida pela criminalidade, cuja identidade está em perpétua transformação. Nisso, Québec não é provavelmente tão diferente do Brasil...


Michel Coulombe




Brève introduction au cinéma québécois


Impossible de parler du cinéma québécois sans aborder la question de l’identité québécoise, toujours d’actualité. Comme le Brésil en Amérique latine, le Québec, majoritairement francophone, affiche sa différence linguistique en Amérique du Nord. Tout part de là, de cette différence qui fait parfois rempart au tsunami américain, mais constitue aussi un facteur d’isolement.

Le cinéma québécois aura mis du temps à venir au monde. Combattu par la toute-puissante église catholique au début du vingtième siècle, le septième art tombe ensuite sous son contrôle. Pendant que les cinéastes en soutane occupent tout l’espace documentaire, les films étrangers sont dénaturés par une censure surprotectrice. Dans les années 40 et 50, les premières fictions, des films généralement mélodramatiques, renvoient l’image d’une société traditionnelle. On y croise une enfant maltraitée, un avare tyrannique, un curé de village et un soldat orphelin.

Il faudra attendre la fin des années 50 et l’avènement du cinéma direct, une révolution documentaire qui permettra de faire entendre la voix des Québécois -que l’on ne désigne plus comme des Canadiens français-, pour que le cinéma se modernise. Ce nouveau départ correspond à celui qu’entraîne le cinéma novo à la même époque. La consécration viendra en 1963 avec la sélection en compétition officielle à Cannes du documentaire Pour la suite du monde de Michel Brault et Pierre Perrault, tout juste une année avant que le Festival accueille Deus et o Diabo na Terra do Sol de Glauber Rocha. Au Québec comme au Brésil, l’heure est au changement. La Révolution tranquille québécoise, qui correspond à la montée en puissance du nationalisme, ouvre toute grande la porte au cinéma. Tout reste à faire.

Dans ce contexte, la fiction s’affirme peu à peu. De premières œuvres personnelles émergent au début des années 60, suivies, à la fin de la décennie, par une vague de films érotiques qui attirent les foules et font écho à une révolution sexuelle irréversible. Dans les années 70, le cinéma comme le théâtre fait résonner la langue populaire, prenant clairement ses distances avec le français parlé en France. Curieusement, cette affirmation identitaire parfois excessive produit très peu de films à caractère politique. Tout de même, des auteurs font leur marque, les Claude Jutra, Gilles Carle, Denys Arcand, des voix majoritairement masculines auxquelles s’ajouteront, mais il y faudra le temps, celles de quelques réalisatrices portées par le courant féministe.

La cinématographie québécoise semble alors très polarisée, divisée entre ceux qui produisent des comédies populaires défendues par des vedettes de la chanson et de la télévision, et des cinéastes qui signent des œuvres personnelles. Progressivement, on adopte les codes d’une industrie cinématographique, un modèle où le rôle de chacun est clairement établi. Bien que la fiction soit de plus en plus à l’avant-plan, le documentaire à portée sociale occupe toujours une place importante et teinte la fiction de réalisme, conséquence directe du va-et-vient de plusieurs cinéastes entre les deux genres. Le cinéma d’animation, lui, produit des œuvres reconnues à travers le monde, à commencer par celles, incontournables, de Norman McLaren et Frédéric Back.

Après un passage à vide, longue période de mutation, la fiction prend un nouvel élan au milieu des années 80, stimulée notamment par le succès international du Déclin de l’empire américain de Denys Arcand et le rayonnement de la collection des Contes pour tous, des films qui rejoignent les enfants de nombreux pays. Pourtant, jusqu’à la fin du siècle, c’est la comédie qui triomphe et occupe le terrain. On s’y moque de la migration hivernale des Québécois vers la Floride, de la séduction qu’exerce le modèle américain, du pouvoir hypnotique de la télévision, des maladresses de l’homo quebecus ou de l’affirmation de la communauté homosexuelle. Pas plus exportables que la plupart des comédies produites ailleurs dans le monde, ces films mettent de l’avant des anti-héros qui résistent aux pressions du monde et aux détenteurs du pouvoir. Les héros trouvent rarement leur place dans le cinéma québécois.

Les années 2000 marquent, pour le cinéma québécois, un point tournant. Plus que jamais, le public est au rendez-vous. En 2005, le cinéma national atteint des sommets de popularité avec une part de marché de 18,9%, une marque près de sept fois supérieure à celle enregistrée dix ans auparavant. À titre de comparaison, la cinématographie canadienne anglaise doit habituellement se contenter, ailleurs au pays, d’une part de marché sous la barre du 1%. Il existe bel et bien une exception québécoise. Ce phénomène observable tout au long de la décennie s’explique par divers facteurs : la diversification des genres, le pouvoir d’attraction d’acteurs appréciés du public, une promotion plus musclée sur l’ensemble du territoire et l’arrivée d’une génération de cinéastes désireux de secouer les conventions. Alors que certains revisitent les classiques des années 40, d’autres font apparaître des vampires dans les rues de Montréal ou transposent au grand écran l’univers d’une série télé.

Plusieurs films remplissent les salles au Québec et circulent à l’étranger, un doublé que l’on a longtemps cru impossible. Grâce à des œuvres comme La grande séduction, C.R.A.Z.Y., Les invasions barbares, Bon cop, bad cop et J’ai tué ma mère, les Québécois paraissent de plus en plus fiers de leur cinéma. Sur cette lancée, bien que très peu de films soient véritablement rentables, producteurs et distributeurs, alignés sur le modèle américain, recherchent les formules gagnantes. Dès lors qu’un film remporte un succès, on lui prépare une suite et si une comédie policière fracasse des records d’assistance, on ne jure plus que par ce genre.

En 2010, le cinéma québécois demeure tiraillé entre deux pôles. D’un côté le cinéma commercial, de l’autre les films d’auteur. Le sempiternel débat porte désormais sur le partage du financement public. Des cinéastes s’élèvent contre les avantages consentis aux producteurs et condamnent la recherche d’une rentabilité illusoire. Il est peu probable que l’on parvienne jamais à vider le débat au sein d’une profession qui jouit des retombées de l’immense succès de la comédie policière De père en flic et s’enorgueillit de produire des films porteurs de sens comme Polytechnique, Tout est parfait, Ce qu’il faut pour vivre, La neuvaine ou Dédé à travers les brumes.

Abonné aux remises en question et toujours à la merci des fluctuations du financement gouvernemental, le cinéma québécois continuera d’évoluer en équilibre entre ses ambitions artistiques et ses visées commerciales, penchant tantôt vers la gauche, tantôt vers la droite, mais n’ayant d’autre choix que de se redresser dès qu’il fait un faux-pas. À l’heure de la mondialisation et des mouvements migratoires, il renvoie l’image d’une société moderne, tourmentée et de plus en plus affectée par la criminalité, dont l’identité est en perpétuelle transformation. En cela, le Québec n’est probablement pas si différent du Brésil…


Michel Coulombe




A Mostra

A Mostra reúne 27 trabalhos inéditos no Brasil, muitos deles premiados no Canadá e internacionalmente. Trata-se da primeira retrospectiva de filmes de ficção e documentários sobre Québec exibida para o público brasileiro. Os filmes, diferentes na abordagem, nos temas e nas épocas, revelam uma Québec em transformação após um grande isolamento da cena cultural mundial.
Em 1948, ao colocar em xeque valores tradicionais e o imobilismo da sociedade quebequense, um grupo de artistas assina o Manifesto Refus Global, tornando-se uma referência cultural para os movimentos artísticos e políticos que viriam eclodir a partir dos anos 1960. Nesse momento Quebec sofre uma radical mudança sócio-cultural que resultará na chamada Revolução Tranquila. Músicos, poetas, escritores, artistas, cineastas e políticos se engajam por uma Quebec livre do peso religioso e tradicionalista. Esta revolução está aqui representada em diversos filmes.

Em Le Chômeur de la mort, Benjamin Hogue e Pierre Luc Gouin traçam um perfil do controvertido e célebre poeta Claude Péloquin, que marcou a cena cultural de Québec dos anos 1960 e 1970. Realizando uma crítica autoral após 40 anos do Refus Global, a cineasta Manon Barbeau, filha de um dos signatários, realiza o filme Les Enfants du Refus Global de grande carga emocional e ousadia.

Herdeiro da geração pós-revolução tranquila destacamos o trabalho de André Gladu, que comparece a esta mostra com dois filmes. Em Je suis fait de musique mostra-se insaciável em suas buscas pelas raízes da identidade de Québec por meio das viagens musicais, abordando a tradição do acordeão em Montreal. Já em La Conquête du grand écran faz um retrato de cem anos da história do cinema quebequense.

Paralelamente à eclosão de inúmeras produções culturais a partir da década de 60, começam a surgir os primeiros filmes que tratam dos povos indígenas, até hoje pouco conhecidos do próprio público canadense. O cineasta Arthur Lamothe é um dos pioneiros nesse registro, produzindo uma extensa obra de mais de cem filmes apenas sobre os Innu, povo indígena do leste do Canadá situado majoritariamente na região da chamada Côte-Nord de Québec. O público brasileiro poderá conhecer um destes filmes, On disait que c’était notre terre – da série Carcajou ou le péril Blanc -, além do seu primeiro documentário Les bûcherons de Manouane, que já traz sua marca, ou seja, seu interesse pelo outro, aquele que vive à margem. Nesse caso o foco de sua preocupação é a áspera vida dos lenhadores de Manouane, na região da Haut-Saint-Maurice.

Com o intuito de introduzir a complexa realidade indígena selecionamos filmes bem distintos em suas abordagens e estilos. A ficção Ce qu’il faut pour vivre, de Benoit Pilon, trata do difícil, mas possível diálogo entre a sociedade Inuit e a quebequense-canadense dos anos 1950; e no filme Qallunaat, why white people are funny, de Mark Sandiford, feito com os Inui, o diretor inverte os papéis de quem está atrás da câmera; são os Inuit que fazem um divertido documentário “antropológico” sobre a sua visão acerca do homem Branco.

Com o filme Une tente sur Mars, protagonizado pelos Innu, os diretores Luc Renaud e Martin Bureau provocam uma reflexão importante e atual sobre o lugar dos povos indígenas na sociedade quebequense e, acima de tudo, o que vem ser a identidade de Québec dentro da nação canadense. Finalmente os curtas do projeto Wapikoni Mobile, coordenado pela cineasta Manon Barbeau, permite há cinco anos que pela primeira vez jovens indígenas de diferentes nações expressem seus desejos e inquietações. O resultado é surpreendente.

Os jovens cineastas Anais Barbeau-Lavalette, Hugo Latulipe e Luc Bourdon nos revelam uma Quebec contemporânea, preocupada em revelar suas idiossincrasias, sua história e sua identidade. Em La mémoire des Anges, de Luc Bourdon, mergulhamos em uma Montreal urbana e cosmopolita, com base na montagem de trechos de 120 filmes produzidos nos anos 1950 e 60; o resultado é um painel imagético vigoroso e poético. Manifestes en série, realizado em 2008 por Hugo Latulipe, pode ser lido como uma reatualização do manifesto Refus Global, representado, nesta mostra, pelo episódio Decoloniser le pays que faz uma reflexão sobre o consumo desenfreado em nossa sociedade. Inspirado na visão dos povos indígenas o filme mostra que um extrato, cada vez maior da população canadense, se opõe a isso. O filme Le Ring, de Anaïs Barbeau-Lavalette, realizado no bairro pobre de Hochelaga-Maisonneuve, insere-se dentro de uma tradição de cinema social e traça um perfil sensível de um menino oriundo de uma família de baixa renda que sonha em ser um grande boxeador. O filme aborda um viés social pouco conhecido acerca da realidade canadense.

Dedé, à travers les brumes, de Jean-Philippe Duval, é protagonizado pelo músico Dedé, que se destaca na cena musical de Québec nos anos 1980. O filme aborda uma época de grande efervescência cultural que sonha com a independência de Québec. Numa linguagem que combina documentário, ficção e arte, os filmes dirigidos por Lysanne Thibodeau, Esprits de famille e Éloge du retour, perseguem as origens do espírito de Québec dentro de uma narrativa intimista.

Para melhor compor esse mosaico quebequense, selecionamos dois filmes de dois realizadores de origen estrangeira que adotaram o Canadá como sua moradia: Le voyage du capitaine Michaud, de Yann Langevin, numa narrativa bem humorada, nos apresenta o simpático marinheiro Michaud, originário da Gaspesie, que empreende um périplo em seu barco desde sua cidade natal, Saint-Anne-des-Monts, até o Haiti. No curta-metragem La neige cache l’ombre des figuiers, de Samer Najari, acompanhamos um dia de trabalho de seis imigrantes recentemente chegados em Montréal e o impacto do primeiro frio glacial.

Finalmente com os curta-metragens Lila, de Robin Aubert e Killing time de Tara Johns, trazemos dois filmes premiados que evocam o vigor do cinema de curta metragem de Québec.

O objetivo da Mostra é colocar em contato o público brasileiro com a realidade de Québec suscitando uma discussão em torno de sua identidade. O evento realiza-se simultaneamente na sala de cinema da Universidade de São Paulo (CINUSP) e na Cinemateca Brasileira de São Paulo.

Agradecemos o apoio da Sociedade dos Amigos da Cinemateca Brasileira, da Pró-Reitoria de Cultura e Extensão da USP, da empresa Rio Tinto Alcan, do Laboratório de Imagem e Som em Antropologia (LISA) da Universidade de São Paulo, do Consulado do Canadá de São Paulo, do Escritório de Québec de São Paulo e da Embaixada do Canadá no Brasil, sem os quais esta empreitada seria impossível.


João Claudio de Sena
Paula Morgado
Curadores da Mostra



La Rétrospective

La rétrospective réunit 27 travaux inédits au Brésil, plusieurs d’ entre eux lauréats au Canada et internationalement. Il s’agit de la première rétrospective de films documentaire et de fiction sur Québec déjà exhibée pour le public Brésilien. Les films différents dans l’ abordage, thèmes et époques, révèlent un Québec en pleine transformation après une grande période d’ isolement de la scène mondiale.

En 1948 mettant en question les valeurs traditionnelles et l’ immobilité de la société québecoise, un groupe d’ artistes signe le manifeste ‘’REFUS GLOBAL’’, devenant ainsi une référence culturelle pour les mouvements artistiques et politiques qui viendraient éclore à partir des années 1960. A ce moment là, Québec subit un changement radical socio-culturel qui aboutira à la fameuse ‘’REVOLUTION TRANQUILLE’’. Musiciens, poètes, écrivains, artistes, cinéastes et politiciens s’engagent pour un Québec libéré du poids religieux et traditionaliste. Dans le film Le Chômeur de la mort, Benjamin Hogue et Pierre Luc Gouin tracent un spéciale portrait du poète Claude Péloquin qui a marqué le Québec des années 60 et 70. Réalisant une réelle critique après 40 ans du REFUS GLOBAL, la cinéaste Manon Barbeau, fille d’ un des signataires, réalise le film Les Enfants du refus Global, film de grand impact émotionnel et audace.

Héritier de la génération pos révolution tranquille, nous notons tout particulièrement le travail d’André Gladu, infatigable dans ses recherches sur les racines de l’ identité de Québec par le biais des voyages musicaux qu’ il nous offre, comme le film Je suis fait de musique - de la série Les sons de Français d' Amérique - sur la tradition de l’ accordéon à Montréal et un autre film peignant l’histoire du cinéma québecois La Conquête du Grand écran.

Parallèlement à l’éclosion d’innombrables productions culturelles, commencent à surgir les premiers films qui traitent des peuples autochtones, peu connus du public canadien jusqu’à aujourd’ hui. Le cinéaste Arthur Lamothe est un des pionniers dans ce segment, produisant une oeuvre immense de plus de 100 films sur les Innu, peuple indigène de l’ est du Canada, installé en grande partie dans la région de la Côte-Nord de Québec. Le public Brésilien pourra connaître un de ces films, On disait que c’ était notre terre - de la série Carcajou ou le péril Blanc -, avec aussi son premier documentaire Les Bûcherons de Manouane qui porte déjà sa marque, qui montre son intérêt pour "les autres oubliés". Cette fois-ci l’objectif de sa préoccupation est la vie rude des bûcherons de Manouane, dans la région de Haut-Saint Maurice.

Dans l’ intention d’ introduire la réalité complexe autochtone , nous avons sélectionné divers films bien distincts dans leur abordage et style: Le film de fiction Ce qu’ il faut pour vivre traite du difficile mais possible dialogue entre Les Inuits et la société Québécoise canadienne des années 1950; le film Qallunaat, why white people are funny de Mark sandiford , fait avec les Inuit , film dans lequel les rôles sont inversés: ce sont les Inuit qui font un un documentaire trés amusant “anthropologique’’ sur leur vision de l’ homme blanc. Avec le film Une tente sur mars protagonisé par les Innus, les réalisateurs Luc Renaud et Martin Bureau provoquent une réflexion importante et actuelle sur la place des peuples autochtones dans la société Québecoise et en même temps sur leur identité dans la nation Canadienne. Finalement avec huit courts métrages du projet Wakiponi Mobile, coordonné par la cinéaste Manon Barbeau, avec l’appui de ONF depuis 2004, des jeunes autochtones de différentes nations expriment leurs désirs et inquiétudes.

La retrospective met aussi sur scène les jeunes cinéastes, Anais Barbeau-Lavalette, Hugo Latulipe et Luc Bourdon qui nous révèlent une Québec contemporaine, préoccupée à comprendre son pays, son histoire et son identité. Grâce au film La mémoire des anges de Luc Bourdon, nous plongeons dans les images d’une Montréal urbaine et cosmopolite au travers d’un montage fait avec des extraits de 120 films produits dans les années 1950 et 1960. Les documentaires des Manifestes en série de Hugo Latulipe, peut être vu comme une réactulisation du manifeste “Refus Global’’ exploitant un portrait moderne du Québec des années 2000; l’ épisode ici choisi, "Décoloniser le pays", réalise une réflexion sur la surconsommation, inspiré sur la voix des premiers habitants du Québec, les Cris, les Attikameks, les Innus et les Algonquins. Les films Le Ring de Anaïs Barbeau Lavalette realise dans le quartier pauvre de Hochelaga-Maisonneuve s’ insère dans une tradition du cinéma social.

Dedé à travers les brumes de Jean Philippe Duval dont le protagoniste est le musicien Dedé, qui surgit sur la scène musicale de Québec dans les années 1980, symbolisant une époque de grande effervescence culturelle qui rêve de l’indépendance de Québec. Assister a Dedé n’ est pas seulement connaitre cette figure légendaire musicale, mais surtout comprendre l’ esprit de Québec.

Finalement avec les films Lila de Robin Aubert et Killing Time de Tara Johns, nous apportons deux courts -métrages primés qui évoquent la vigueur du cinéma de court-métrage de Québec. Dans un langage qui combine le documentaire, la fiction, ainsi que l’art et l’essai, les films de Lysanne Thibodeau, Esprits de famille et Éloge du retour, nous parlent de l’esprit du Québec dans un récit intimiste.

Et finalement, pour composer ce mosaique québequois nous avons séléctionés deux films de deux réalisateurs étrangers d’origine, devenus canadiens: Le voyage du capitaine Michaud, de Yann Langevin, nous presente le sympatique marin Michaud de la Gaspésie qui met tout un périple de Saint-Anne-des-Monts pour arriver avec son bateau au Haïti; et dans le court-métrage La neige cache l’ombre des figuiers, de Samer Najari, nous suivons un jour de travail dans la vie de six immigrants récement arrivés à Montréal.

Le festival n’est pas compétitif. Son but est de mettre en contact le public brésilien avec la réalité du Québec afin de saisir son identité en explorant plusieurs thèmes de la culture québecoise.

Nous comptons avec l’appui de la Société des Amis de la Cinémathèque Brésilienne, du Rectorat de la Culture et l’ Extension de la USP, de Rio Tinto Alcan, du Laboratoire de l’image et du son en anthropologie de l’Université de São Paulo, du Consulat du Canada de Sao Paulo, du Bureau du Québec de São Paulo et de l’Embassade du Canada au Brésil.




João Claudio de Sena
Paula Morgado
Directeurs de la Retrospective